Quando um estudante de saxofone busca inspiração, é natural que os primeiros nomes que venham à mente sejam os gigantes do jazz americano: Charlie Parker, John Coltrane, Lester Young. São mestres indiscutíveis. Mas focar apenas neles é como aprender a cozinhar conhecendo apenas a culinária francesa e ignorando o tempero de casa. Existe uma linhagem, uma “voz brasileira” no saxofone, e descobrir quem são os maiores saxofonistas brasileiros é o passo fundamental para encontrar a sua própria identidade sonora.
Muitos conhecem o som popular e virtuoso de Léo Gandelman, um músico extraordinário que levou o sax a um público massivo. Mas a história do saxofone no Brasil é profunda, rica e cheia de heróis que moldaram a forma como o instrumento “fala” português, com o sotaque do choro, do samba e da bossa nova.
Este artigo é um guia de estudos. Uma curadoria para apresentar a você 10 dos maiores saxofonistas brasileiros que foram (e são) pilares na construção dessa identidade. Para cada mestre, você encontrará uma pequena biografia, uma análise de seu estilo, um disco essencial para começar a ouvir e uma sugestão de música para o desafio prático da transcrição. Prepare-se para uma jornada de descobertas.
Buscando a “Voz Brasileira”: Por Que Estudar Nossos Próprios Mestres?
Estudar os mestres brasileiros não é um ato de nacionalismo, mas de inteligência musical.
O DNA do saxofone no Choro, no Samba e na Bossa Nova
A forma de articular uma frase no choro, a síncope rítmica do samba, a contenção lírica da bossa nova… são elementos que não se encontram em métodos americanos. Ao ouvir e transcrever os maiores saxofonistas brasileiros, você absorve esse “DNA” e enriquece seu vocabulário de uma forma única.
Como este guia vai te ajudar a encontrar sua própria identidade sonora
Este não é um ranking de “melhor” ou “pior”. É um mapa. Um ponto de partida para que você, estudante, possa ouvir, analisar e escolher os elementos de cada mestre que mais ressoam com a sua própria musicalidade.
1. Pixinguinha
- Quem é? Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha (1897-1973), é o patriarca. O arquiteto. O homem que, com sua flauta e, posteriormente, com seu saxofone tenor, praticamente definiu a linguagem da música instrumental brasileira.
- Por que é um mestre? Pela sua genialidade como compositor e instrumentista. Pixinguinha introduziu uma sofisticação contrapontística e rítmica no choro que é estudada até hoje. Seu saxofone não apenas tocava a melodia; ele “conversava” com os outros instrumentos.
- Disco Essencial: “Pixinguinha e a Velha Guarda” (1956). Uma gravação histórica.
- Música para Transcrever: “Carinhoso”. Tente transcrever não apenas a melodia, mas os contrapontos sutis que ele tece, prestando atenção na articulação musical que ele usa.
- Saiba mais: Dicionário Cravo Albin da MPB
2. Zé Bodega
- Quem é? José de Araújo “Zé Bodega” (1923-2003) foi o gigante do sax tenor no samba-jazz e nas orquestras de gafieira. Se Pixinguinha era o mestre da sutileza, Bodega era o da potência e do swing.
- Por que é um mestre? Pelo timbre. Seu som era “rasgado”, potente, cheio de drive e com uma alma visceral do samba. Ele é um dos maiores saxofonistas brasileiros por ter criado uma linguagem para o sax tenor no samba que é referência até hoje.
- Disco Essencial: “Samba-Jazz” (1965). Uma aula de suingue e energia.
- Música para Transcrever: Seu solo icônico em “Na Glória”.
- Saiba mais: Dicionário Cravo Albin da MPB
3. Paulo Moura
- Quem é? Paulo Moura (1932-2010) foi a sofisticação em pessoa. Clarinetista e saxofonista alto, ele foi um dos poucos músicos no mundo que transitou com total maestria entre a música erudita, o choro, o samba e o jazz.
- Por que é um mestre? Pelo seu som aveludado, sua técnica impecável e sua profunda inteligência harmônica. Moura trazia uma elegância e um lirismo ao saxofone que eram únicos.
- Disco Essencial: “Paulo Moura e os Oito” (1968). Um marco da música instrumental brasileira.
- Música para Transcrever: Sua execução virtuosa em “Espinha de Bacalhau”.
- Saiba mais: Site Oficial
4. Victor Assis Brasil
- Quem é? Victor Assis Brasil (1945-1981) foi o nosso “John Coltrane”. Um virtuoso absoluto que, em sua curta vida, levou o saxofone brasileiro a um novo patamar de complexidade técnica e harmônica, sendo um dos maiores saxofonistas brasileiros do jazz.
- Por que é um mestre? Pelo seu domínio completo da linguagem do bebop e do hard bop, mas sempre com um inconfundível sotaque brasileiro. Sua velocidade, precisão e criatividade harmônica são assombrosas.
- Disco Essencial: “Esperanto” (1970). Um disco que mostra todo o seu poder de fogo.
- Música para Transcrever: Seu solo antológico sobre “Wave” de Tom Jobim.
- Saiba mais: Wikipedia
5. Nivaldo Ornelas
- Quem é? O som do Clube da Esquina. Mineiro, Nivaldo Ornelas é o dono de um dos timbres mais líricos e reconhecíveis do sax soprano e tenor na MPB.
- Por que é um mestre? Pela sua incrível capacidade de criar melodias e contrapontos que se tornam parte essencial da canção. Seu saxofone não sola; ele “canta” junto. Sua musicalidade transcende a técnica.
- Disco Essencial: “Clube da Esquina” (Milton Nascimento & Lô Borges, 1972). Ouça-o em todo o disco.
- Música para Transcrever: Seu solo icônico e melódico em “Cravo e Canela”.
- Saiba mais: Dicionário Cravo Albin da MPB
6. Mauro Senise
- Quem é? O mestre da delicadeza e da sonoridade. Mauro Senise é uma das maiores referências do sax alto e da flauta na música instrumental brasileira, com uma carreira que abrange o jazz, a MPB e a música de câmara.
- Por que é um mestre? Pelo seu timbre. O som de Senise é de uma pureza, afinação e controle de dinâmica que são simplesmente perfeitos. Ele é a prova de que a beleza do som é tão importante quanto as notas que se toca.
- Disco Essencial: “Alma” (1994). Um trabalho primoroso.
- Música para Transcrever: Sua interpretação da belíssima “Vera Cruz” de Milton Nascimento.
- Saiba mais: Dicionário Cravo Albin da MPB
7. Nailor “Proveta” Azevedo
- Quem é? O líder da incrível Banda Mantiqueira. Proveta é a personificação da energia, da precisão rítmica e do virtuosismo do sax alto no samba, no choro e na gafieira moderna.
- Por que é um mestre? Pelo seu domínio rítmico. A articulação de Proveta é uma aula de como frasear a música brasileira com “pegada” e swing. É um dos maiores saxofonistas brasileiros em atividade.
- Disco Essencial: “Aldeia” (Banda Mantiqueira, 1996). Energia pura.
- Música para Transcrever: Seu solo cheio de energia em “Linha de Passe”.
- Saiba mais: Casa do Choro
8. Vinicius Dorin
- Quem é? O poderoso sax barítono do grupo do gênio Hermeto Pascoal.
- Por que é um mestre? Porque ele redefiniu o papel do sax barítono no Brasil. Em suas mãos, o instrumento, que muitas vezes fica relegado à base, tornou-se uma máquina solista ágil, potente e cheia de recursos.
- Disco Essencial: “Festa dos Deuses” (Hermeto Pascoal & Grupo, 1992).
- Música para Transcrever: Qualquer um de seus solos enérgicos. O desafio é acompanhar sua velocidade e criatividade.
- Saiba mais: Entrevista com o músico
9. Teco Cardoso
- Quem é? Um explorador de sons. Teco Cardoso é um multi-instrumentista (toca toda a família de saxofones e flautas) conhecido por sua busca por timbres e texturas, misturando a música brasileira com influências da música do mundo.
- Por que é um mestre? Pela sua musicalidade expansiva. Ele pensa em som, não apenas em notas. Sua capacidade de usar o saxofone para criar paisagens sonoras é única.
- Disco Essencial: “O Outro Lado” (1996). Seu primeiro disco solo, uma obra-prima.
- Música para Transcrever: A abordagem melódica nas peças de seu disco solo.
- Saiba mais: Dicionário Cravo Albin da MPB
10. Ademir Junior
- Quem é? Um dos nomes mais celebrados da nova geração, Ademir Junior é um virtuoso do sax tenor e soprano, com uma linguagem que conecta o choro de Pixinguinha ao jazz de Coltrane.
- Por que é um mestre? Pelo seu domínio técnico absurdo, combinado com uma profunda musicalidade e conhecimento da tradição. Ele representa o futuro, solidamente ancorado no passado.
- Disco Essencial: “Caminhos” (2015).
- Música para Transcrever: Seu solo virtuoso em “Solar” (do disco “Tributo a Dexter Gordon”).
- Saiba mais: Entrevista com o músico
Sua Jornada de Descoberta Apenas Começou
Esta lista com 10 dos maiores saxofonistas brasileiros é apenas a porta de entrada para um universo sonoro riquíssimo. A melhor forma de aprender é mergulhar de cabeça: ouvir os discos, tirar os solos, e absorver a linguagem. Se você se sentir travado, lembre-se das técnicas do nosso guia de como começar a improvisar.
Agora, a conversa continua com você. Qual grande mestre ficou de fora? Quem é o seu favorito? Deixe seu comentário e vamos enriquecer ainda mais este mapa da alma do saxofone brasileiro.